22/01/2012

APELO DA SELVA: Sobre a inteligência da co-evolução

Dentro de um mesmo género, em flores que pertencem a espécies muito próximas, as diferenças de cor podem ser radicais – e é evidente que isso não acontece por acaso, porque estas coisas, na Natureza, não têm por hábito acontecer por acaso.


Vamos a um caso bem estudado:

o do género Solanum, em que a disseminação das sementes é feita tanto por morcegos como por aves. Pronto. Basta um pormenor destes para fazer toda a diferença. As flores em que as sementes são disseminadas pelos morcegos têm flores esverdeadas ou brancas, enquanto que as que são disseminadas pelas aves se desdobram em tons de vermelho vivo. As flores em que são os morcegos quem dissemina as sementes não desperdiçam nenhuma energia metabólica produzindo o que seria, para elas, um pigmento vermelho inútil: os morcegos são cegos, e portanto não é, obviamente, a cor das flores que os atrai. Nunca é demais recordar: a evolução funcionou toda, sempre, no sentido da eliminação de esforços inúteis.

Na última centena de milhões de anos, há um pormenor curioso que merece referência no domínio da co-evolução dos insectos e das plantas que se reproduzem através de flores. Já toda a gente ouviu falar do desenvolvimento de cores berrantes e chamativas, dos aromas, ou dos feitios dramáticos com que as flores atraem os insectos e as aves até aos seus órgãos sexuais: não deve faltar quem saiba que algumas flores chegam a imitar a forma da fêmea do insecto que assegura a disseminação das suas sementes. Agora, há certos tipos de frutos, de tons laranja e vermelho, que parecem só ter surgido algures nos últimos trinta milhões de anos, em simultâneo com a evolução da visão tricromática de macacos e primatas. Estes frutos, uma peça emblemática da dieta desses mesmos macacos, tornaram-se particularmente visíveis para os olhos tricromáticos no meio da folhagem emaranhada da selva; e as plantas, pelo seu lado, dependiam dos macacos para espalharem as sementes através das suas fezes. Ambos evoluíram em sintonia.

Até aqui, o raciocínio parece bater todo certo.

Não podemos é deixar de notar que algumas aves já tinham desenvolvido a visão tricromática muito antes dos macacos. Por que é que não se lançaram no processo de co-evolução com os frutos de tom laranja e vermelho?

Já vimos que esses frutos ainda nem sequer existiam antes da entrada em cena dos macacos e primatas que os procuram. Mas a verdadeira questão, aquela que mostra bem como a evolução trabalha, é que, mesmo que existissem, os frutos podiam não ser chamativos para as aves. Como já vimos, as plantas que se reproduzem através das flores desenvolveram dezenas de expedientes para assegurar a sua disseminação. A cor dos frutos podia perfeitamente ser para o dispêndio da energia da Natureza um expediente desnecessário, senão mesmo inútil. É que, neste caso concreto, o que está em causa como expediente reprodutivo é disseminar sementes através das fezes. E as fezes das aves têm muito menos probabilidades de encontrar um bom nicho no solo do que as dos primatas.

3 comentários:

  1. Olá, Clara Pinto Correia - tenha uma boa noite !!!

    «« Dentro de um mesmo género, em flores que pertencem a espécies muito próximas, as diferenças de cor podem ser radicais – e é evidente que isso não acontece por acaso, porque estas coisas, na Natureza, não têm por hábito acontecer por acaso. »»

    A Clara está a falar no contexto do "desenho inteligente", em que provavelmente existe um projecto talvez consciente, na suposta selecção natural, em contrapartida à tese darwisnista, que na Natureza, não existe qualquer tipo de intenção?

    Um abraço - artur

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  2. Olá, Clara Pinto Correia:

    Desejo que a'precie o artigo, que encontrei na revista "Super interessante", que contrasta negativamente com o seu texto...

    «« As flores em que são os morcegos quem dissemina as sementes não desperdiçam nenhuma energia metabólica produzindo o que seria, para elas, um pigmento vermelho inútil: os morcegos são cegos, e portanto não é, obviamente, a cor das flores que os atrai. »»

    Artigo da "super interessante":

    Morcegos são cegos, certo?

    Errado.

    Algumas espécies enxergam até dez vezes melhor que os seres humanos. No entanto, a imensa maioria vê o mundo em preto-e-branco, o que não é exatamente um problema para um animal que tem hábitos noturnos.

    De fato, a visão dos morcegos é perfeitamente adaptada aos ambientes com pouca luminosidade. Além disso, eles contam com uma ajudinha ainda mais sofisticada para se orientar no escuro: a ecolocalização, um sistema que funciona como um biossonar.

    O morcego emite ondas sonoras em freqüências inaudíveis para o ser humano que, ao encontrar um obstáculo, retornam e são captadas por seu ouvido especial. Pelo sinal reverberado, o morcego consegue medir a que distância está o objeto, qual seu tamanho, velocidade e até detalhes de sua textura.

    Para continuação de leitura ... ... ...

    Morcegos - Superinteressante
    super.abril.com.br/mundo-animal/morcegos-443423.shtml
    Morcegos são cegos, certo? Errado. Algumas espécies enxergam até dez vezes melhor que os seres humanos. No entanto, a imensa maioria vê o mundo em ...

    Um abraço - artur

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  3. Olá, Clara Pinto Correia...

    Trabalhei durante um ano como aprendiz de empregado de tonga, na fazenda de café Roça Lunza, no distristo de Carmona, quando sucedeu o 25 de Abril de 1975.

    Segundo os mais experientes capatazes, os morcegos durante a noite, comiam a polpa madura e doce dos bagos de café de cor avermelhada, e deitavam fora as sementes mesmo junto aos cafeeiros.

    Um abraço - artur

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