29/09/2010

ENSAIO: Animais fazem fotossíntese? - Parte I

Imaginem que se deparavam num exame com a seguinte questão: “Os animais fazem fotossíntese?”. A resposta parece simples. Ou será que não?

Na escola somos ensinados que a fotossíntese é um mecanismo exclusivo de plantas, algas e algumas bactérias; e, além disso, uma característica que separa os animais dos outros seres é o facto de não possuírem cloroplastos e não realizarem fotossíntese. Já agora, para compreender convenientemente o texto que se segue, convém relembrar que a fotossíntese é o meio pelo qual alguns seres-vivos obtêm o seu próprio alimento (sendo, por isso, designados de seres autotróficos), através da assimilação de dióxido de carbono e água, levando à produção de oxigénio e glicose. Para este processo, é essencial a existência de uns organelos que se encontram nas células vegetais, designados de cloroplastos, e que possuem um pigmento que é a clorofila, responsável pela coloração verde em plantas.

Como é habitual na natureza que nos rodeia, para toda a regra existe uma excepção, facto para o qual os cientistas estão preparados. O mundo aquático, em particular, é como que um baú repleto de brilhantes tesouros, os quais só conseguimos verdadeiramente admirar à medida que lhe prestamos atenção. Foi isto que aconteceu quando biólogos marinhos começaram a explorar o mar e a identificar a biodiversidade dos lagos, rios, mares e oceanos, de onde resultaram milhões de identificações de espécies, desde microalgas, passando por uma panóplia de microorganismos, crustáceos e outros artrópodes, moluscos, equinodermes, peixes, até aos mamíferos marinhos. Após a identificação torna-se necessário um estudo detalhado a vários níveis: anatómico, fisiológico, genético, ecológico, etc. Foi num destes estudos, que os cientistas voltaram a olhar com mais atenção para um grupo de moluscos, que nunca mais foi visto da mesma maneira. As lesmas-do-mar são pequenos moluscos, geralmente muito coloridos, e que têm sido alvo de vários estudos. Hoje pretendo abordar o estranho caso da lesma-do-mar fotossintética.

ENSAIO: Animais fazem fotossíntese? - Parte II

Ao olharem atentamente para uma lesma-do-mar verde, os cientistas, a certa altura, ter-se-ão questionado se elas poderiam realizar fotossíntese. Após alguns estudos, a hipótese foi validada, o que só trouxe ainda mais questões. Hoje sabe-se que estas lesmas-do-mar, que nascem sem cloroplastos, alimentam-se de algas, e que ao longo do sistema digestivo dá-se uma separação dos vários componentes do alimento, sendo que os cloroplastos são incorporados no tecido destes gastrópodes – daí a coloração verde. Ainda mais fantástico é que, deste modo, algumas destas espécies conseguem obter a energia necessária aguentando até 9 meses sem se alimentarem, através do processo fotossintético. Para isso, só precisam de luz, daí a designação “lesmas-do-mar movidas a energia solar” (solar-powered seaslugs). Não se trata de uma simbiose, mas de um roubo da maquinaria celular, daí chamar-se ao processo de cleptoplastia.

Uma equipa de cientistas portugueses encontra-se a estudar a espécie Elysia tímida, de modo a compreender até que ponto este mecanismo é eficiente. A resposta à questão foi, no mínimo, surpreendente: A eficiência da fotossíntese é superior no animal em estudo do que nas próprias algas que servem de alimento – de acordo com o estudo publicado no Journal of Experimental Marine Biology and Ecology, pelos investigadores Bruno Jesus, Patrícia Ventura e Gonçalo Calado.

Estes moluscos conseguem realizar fotossíntese como as algas, mas, sendo animais, conseguem deslocar-se para locais com maior luminosidade, e quando esta se encontra em excesso podem ir novamente para locais mais escuros, ou, mover os parápodes (prolongamento da pele) para regular a quantidade de luz e diminuir o processo de fotoinibição, factor limitante nas algas. “É como usar o melhor dos dois mundos”, explica o Dr. Jesus.

Respondendo à questão com que iniciei a primeira parte do texto, sim, há animais que podem realizar a fotossíntese, como é o caso de algumas lesmas-do-mar que utilizam os cloroplastos das algas das quais se alimentam, através do processo de cleptoplastia.

Estudo realizado por investigadores do Instituto Português de Malacologia (IPM) (http://www.ipmalac.org/) e Instituto de Oceanografia (http://co.fc.ul.pt/)

Fontes:
Artigo científico: aqui
Notícia no site da BBC - BBC - Earth

23/09/2010

CIDADE DO SOL: Coimbra - Capital da Ciência

Tendo viajado até Coimbra, no final de Agosto, em trabalho, aproveitei também para visitar a cidade de modo a conhecer o seu património cultural.

Sugiro que num fim-de-semana parta à descoberta desta cidade sozinho, com amigos ou com a família. Aconselho a levar a máquina fotográfica, um guia da cidade, uma mochila leve e sapatos adequados a caminhadas.

Coimbra tem o potencial de agradar a todas as pessoas, atendendo à diversidade de locais de interesse a visitar. Para quem gosta de História pode conhecer a evolução da cidade ao longo do tempo e pode encontrar referências à ocupação do território por diferentes povos, como por exemplo, o famoso arco Almedina. Pode ainda deslumbrar-se com as maravilhas arquitectónicas dos edifícios, das muralhas, das muitas igrejas e das faculdades, apreciando a estética que embarca diferentes períodos como a Idade Média, Renascimento e Idade Moderna. A sinalética é um óptimo complemento para a compreensão do que está a ser observado, pois identifica os locais e informa resumidamente sobre a história dos mesmos. Para quem gosta de Literatura pode sempre relembrar-se da “Questão Coimbrã” e passar pelas casas onde habitaram ilustres portugueses, como o Eça de Queirós, havendo referências, assinaladas pela cidade, a muitos outros. Para quem se interessa por Ciência, opções não faltam. Esta cidade tem as mais antigas faculdades do país e, actualmente, a Universidade de Coimbra encontra-se em segundo lugar no ranking das universidades portuguesas, de acordo com a prestigiada empresa QS (1). Para além dos trabalhos de pesquisa realizados nas faculdades, encontramos o centro de investigação IMAR-Coimbra. Do IMAR ao Museu Zoológico é só atravessar a estrada. Aqui podemos observar um riquíssimo espólio científico com colecções muito antigas, algumas com mais de cem anos, dedicadas à natureza e biodiversidade de Portugal e ex-colónias. Das várias salas enormes com diversos animais em exposição, resultado de um bom trabalho de taxidermia, saliento uma interessante sala dedicada ao património malacológico (2) em que predomina uma valiosa (do ponto de vista científico) colecção de conchas. Saliento também a existência de uma sala dedicada às relações ecológicas no mundo natural, as adaptações ao meio e a evolução das espécies, sendo portanto uma secção de importante valor educativo. Informo que esta exposição do Museu Zoológico será alterada brevemente, pelo que sugiro a sua visita (3). Não muito longe do Museu Zoológico podemos encontrar o Museu da Ciência, situado no antigo Laboratorio Chimico. Neste museu existem duas exposições: uma é dedicada à evolução das espécies, em que saliento uma breve, mas importante, contextualização histórica, e o trabalho desenvolvido na área da genética dos caracóis, pela Dra. Rolanda Albuquerque de Matos, dedicado ao estudo da variabilidade intraespecífica nos gastrópodes terrestres da espécie Helix aspersa; a outra exposição dá mais relevo às Ciências Físico-Químicas, com múltiplas experiências interactivas, associando a física à biologia para explicar a evolução dos olhos no mundo vivo, e apostando na História das Ciências.

São, portanto, várias as razões para conhecer Coimbra, cidade que apresenta excelentes resultados ao nível da divulgação cultural e científica.

Notas:
(1) – (ver o blog De Rerum Natura)
(2) – Malacologia – área da zoologia dedicada ao estudo dos moluscos. Em Portugal é representada pelo Instituto Português de Malacologia (IPM).
(3) – Penso que o Museu Zoológico esteja encerrado ao fim-de-semana.