19/10/2010

O APELO DA SELVA: Danadas para a Brincadeira

AS Orchis, ESSAS MALUCAS




A destruição da selva amazónica leva ao desaparecimento de milhares de variedades de orquídeas por ano, algumas das quais não chegaram sequer a ser catalogadas. Porém, mesmo com este rol impressionante de extinções, esta flor ultrapassa largamente as cerca de vinte mil espécies conhecidas. E vivem em toda a parte: no restolho português, depois dos fogos; nas neves eternas; nas florestas tórridas. Quando é difícil alcançar a luz, tornam-se epífitas, que é como quem diz que vivem com as raízes penduradas nos ramos de outras árvores. Isto significa, entre muitas outras coisas, que se a floresta tiver sete estratos diferentes dependentes da luz, as orquídeas podem ser de sete tipos diferentes. Os benefícios de viver com as raízes penduradas são evidentes: há um menor investimento energético, uma vez que a construção de “alicerces” não é necessária; o acesso a praticamente todo e qualquer habitat é livre; e não há nenhum dispêndio de esforços para conseguir a vital exposição à luz solar. “E acesso à água?”, perguntar-se-ão (e muito bem). Tranquilo. A revestir as raízes pendentes, têm células altamente especializadas cuja função é fazer com que aquele tecido funcione como uma esponja quando chove, dispensando assim o enraizamento na terra, uma vez que a água passa a entrar na raiz directamente do céu. Caso haja uma seca perigosa, esta “esponja” dá lugar a uma parede estanque, que não deixa nem uma gotinha miserável escapar-se para o exterior.

Estas meninas servem-se dos fungos com a mesma habilidade com que se servem das árvores. A semente de uma orquídea é o que de mais simples e reduzido pode haver no reino vegetal, um mero embrião com meia dúzia de células muito pouco diferenciadas. Exactamente como acontece nos espermatozóides, as orquídeas fabricam estas sementes aos milhares para que duas ou três germinem. E é um fungo, que infecta a semente, que permite a sobrevivência desta, funcionando como uma ponte entre a flor e os nutrientes do solo, numa simbiose tão bem esgalhada que, no seu termo, quando a flor já está adulta e deixa de precisar de agentes infectantes para sobreviver, estes refilam. É na maturidade que a orquídea desenvolve aqueles dois grandes tubérculos redondos que dão o nome à família: orchis é o termo grego para testículo, daí que se tenham frequentemente atribuído às orquídeas misteriosos dons afrodisíacos.

Resta referir a exploração que as orquídeas fazem do trabalho dos insectos. Todas as orquídeas são hermofroditas, com ambos os sexos na mesma flor. No entanto, conscientes que estão dos perigos da consanguinidade, precisam da ajuda dos insectos para trocar pólens de vários tipos; e, tal como muitíssimas outras flores, fazem-se bonitas para que estes insectos as procurem e visitem. Nisto, são tão ardentes quanto despudoradas: coloridas, fantasiosas, desenvolveram até uma pétala especial , o labelo, pintalgada ou riscada, que, além de se ver à distância, funciona para o insecto como uma verdadeira pista de aterragem, com todos os sinais de navegação devidamente colocados. Sinais visuais, claro, resistentes ao nevoeiro e à miopia.

E agora, prestem atenção a isto: quando queremos perceber qual a posição relativa que cada espécie ocupa no quadro da evolução, desenhamos, em computador, os chamados “arbustos tridimensionais”. Nos animais, como toda gente sabe, no centro do arbusto encontramo-nos nós, o Homo sapiens. Ora, nas plantas, quem é que ocupará o lugar correspondente ao do Homo Sapiens? A Orchis sp, então quem é que havia de ser?

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