02/02/2010

BIOGRAFIA: Rómulo de Carvalho - Vida e Obra II

A História Natural em Portugal no Século XVIII

Da vasta obra publicada pelo cientista Rómulo de Carvalho, saliento, neste texto, A História Natural em Portugal no Século XVIII (1987). Abordarei, brevemente, alguns dos capítulos, deixando o mote para a leitura integral deste livro, pequeno em tamanho, mas grande em interesse. São cerca de 100 páginas, divididas por seis capítulos, que se lêem de uma assentada.

A História Natural

Assim, o livro principia com o capítulo dedicado ao interesse pela História Natural no nosso país, no século em estudo. Este interesse terá tido origem em dois factores, a saber: o facto de os portugueses estarem espalhados pelo mundo, em vários continentes, com acesso a plantas, animais e minerais, muitos deles nunca antes revelados; e pelo contacto com a euforia com que os cientistas estrangeiros se dedicavam à recolha, observação, catalogação de tudo o que encontravam. Para além do mero interesse e curiosidade pelo que é estranho e novo, havia também uma preocupação económica e científica – notar que ciência e economia caminham sempre juntas, uma vez que investindo na primeira, melhora-se a segunda. A fauna observada permitiu uma variedade de tratados zoológicos, aclamados a nível académico e, simultaneamente, causando espanto junto da sociedade; a nível geológico e mineralógico ansiava-se perante a possibilidade da descoberta de metais e pedras preciosas; e, atendendo à flora, esperava-se encontrar plantas com valor comercial, como a canela e a pimenta, assim como com valor medicinal, e de onde surgiram publicações de enorme impacto científico, recordadas ainda hoje, como Colóquios dos Simples e Drogas da Índia de Garcia de Orta.

É a flora do nosso país que parece cativar mais interessados, não só portugueses, como também inúmeros estrangeiros. Reinava D. João IV, quando chegou a Portugal o médico alemão Gabriel Grisley, cujo interesse pela nossa flora originou a publicação de Viridarium Lusitanicum (1661), ou seja, O Jardim da Lusitânia [1]. Pela mesma razão, vieram também a Portugal, anos mais tarde, os botânicos franceses Joseph Pitton de Tournefort (1656-1708) e Antoine de Jussieu (1686-1758).

Outro naturalista que visitou Portugal foi Merveilleux [2], e que, a pedido do monarca D. João V, cá permaneceu com a missão de realizar a História Natural de Portugal, deixando-se encantar, desde logo, pela Natureza de Sintra e, em particular, pela sua flora. Para além da sua obra científica, este autor pouco conhecido foi também um grande crítico da realidade portuguesa. A nível económico não compreendia os dispêndios de dinheiro na importação de bagas de zimbro, vindas da Holanda, quando elas existiam nas serras nacionais. A nível religioso, lamentou o excesso de poder da Igreja [3] que se revelava nefasto para a busca de conhecimento: “Neste país tudo é olhado como mistério ou feitiçaria, isto é, sortilégio ou magia. Aqui nem um homem de ciência se pode mostrar curioso e pretender instruir-se pois tem sempre receio de ser molestado pelo Santo Ofício.”[4]

Vandelli – Os Museus e os Jardins Botânicos

É também no século XVIII que se executa uma reforma na educação em Portugal, primeiro no ensino primário (1759) e, posteriormente, no universitário (1772), com a expulsão dos jesuítas, a mando de Sebastião José de Carvalho e Melo, Marquês de Pombal (1699-1782). A História Natural era leccionada na Faculdade de Filosofia, tendo sido necessário, como complemento, criar um museu e um jardim botânico.

Domenico Vandelli (1735-1816), doutorado em Filosofia e Medicina, foi professor universitário em Pádua, até ser chamado, em 1768, pelo Marquês de Pombal para estabelecer o Jardim Botânico, junto ao Palácio da Ajuda. Este jardim serviria não só para lazer dos soberanos, mas também para experiências botânicas com vista ao melhoramento da agricultura nacional e, subsequentemente, da economia. O italiano, que já estivera em Portugal em 1764, aceitou o convite, talvez por conselho do célebre naturalista sueco Carl Lineu (1707-1778), como sugere uma carta datada de 12 de Fevereiro de 1765. Vandelli passou a leccionar História Natural e Química em Coimbra, tendo deixado o Jardim Botânico da Ajuda, do qual era director, ao cuidado do seu jardineiro Julio Mattiazzi. Num Verão em que visitou Lisboa para ver como se desenvolvia o seu jardim, constatou que este havia sido negligenciado por Mattiazzi em favor do Museu de História Natural, o que levou à perda de milhares de espécies de plantas.

Podemos encontrar outros jardins botânicos portugueses da época, tais como o Jardim botânico de suas altezas (pertencia à Casa Real) em Palhavã (Lisboa); o Jardim Botânico anexo ao palácio do Marquês de Angeja; outro em S. Sebastião da Pedreira (só se sabe que pertencia a um “provedor dos armazéns”); outro, em Benfica, do Marquês de Abrantes; e no Porto de um negociante inglês Francisco Biasly, como indica o autor, R. de Carvalho.[5]

Podemos, neste livro, encontrar, ainda, informação relativa a cientistas portugueses e ao seu contributo académico, viagens realizadas pelo mundo em busca de mais conhecimento sobre a natureza, e um capítulo dedicado à História Natural como matéria de ensino, preconizada por ilustres pensadores como Luís António Verney (1713-1792), António Nunes Ribeiro Sanches (1699-1783), ou Padre Teodoro de Almeida (1722-1804). De salientar que este último, na sua obra, debruçou-se sobre temas como a embriogénese humana e a alma nos homens e animais.


Este texto não pretende ser um resumo, mas sim breves indicações do que pode ser encontrado na leitura deste livro tão importante para a nossa cultura geral, histórica, patrimonial, ou científica.


[1] De acordo com a Acta da Sessão de 16 de Novembro de 1788 da Academia de Ciências de Lisboa, esta obra é considerada a primeira sobre a flora portuguesa. Voltou a ser reeditada, em 1789, por ordem da Academia de Ciências, a pedido de Domenico Vandelli, na época professor de História Natural na Universidade de Coimbra, que pretendia corresponder as regras de classificação estabelecidas por Lineu a essas plantas, como explica R. de Carvalho.
[2] Personagem relevante para a compreensão da História Portuguesa da época. Como sugestão de R. de Carvalho, ler: O Portugal de D. João V visto por três forasteiros (1983), tradução de Castelo Branco Chaves, e O Lúdico na Sociedade Portuguesa de Setecentos: o Testemunho de Merveilleux (1987), de Jorge Manuel Flores.
[3] José Saramago, em Memorial do Convento, retrata bem a sociedade no reinado de D. João V, e a influência da Igreja, através da Inquisição, no quotidiano.
[4] Merveilleux, Memoires instrutifs, I, pp. 101, 103, citado por R. Carvalho, A História Natural em Portugal do Século XVIII, p. 18
[5] Rómulo de Carvalho, 1987, pp. 68,69.


Bibliografia: Rómulo de Carvalho, A História Natural em Portugal no Século XVIII, Biblioteca Breve, Lisboa, 1987

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