28/03/2010

O APELO DA SELVA: Canibalismo Sexual

CAÇADORAS DE CABEÇAS
Toda a gente conhece a história da terrível fêmea louva-a-deus que come a cabeça do macho depois da cópula. Agora, é preciso ver que, como acontece com frequência nestes casos espampanantes, história está muito mal contada –– e, claro, faltam-lhe várias pinceladas científicas para a compreendermos bem.
As primeiras suspeitas sobre estes erros tentadores apareceram no início dos anos 90, com a capacidade de introduzir boas câmaras de vídeo no habitat dos animais sem os perturbar minimamente. Seguindo este processo, alguns obvservadores anunciaram que, no seu estado natural, a fêmea copulava tranquilamente com o macho e não lhe comia a cabeça a seguir –– seria antes o stress de estar em laboratório, as luzes, o ruído, as pessoas à sua volta, que a levariam a fazer isso. Estudos posteriores revelaram que isto, de facto (a cópula sem ingestão da cabeça) pode acontecer por vezes natureza. Mas também ocorriam várias outras modalidades da prática do agora chamado canibalismo sexual, uma forma tão aceitável como qualquer outra de garantir a primazia na passagem de genes à progenia. E mais se verificou que estes fenómenos não se passavam só com a famigerada louva-a-deus.

Só restaram as asas
Para introdução à estranheza do comportamento destes animais, comecemos por uma descrição de 1886 escrita pelo naturalista L.O.Howard:
“Há alguns dias, levei um macho de Mantis carolina a um amigo que tinha em casa uma fêmea dentro de em frasco grande como animal de estimação. Assim que o pusemos dentro do mesmo jarro, o macho, alarmado, começou a tentar fugir. Em poucos minutos, a fêmea agarrou-o. Começou por comer o seu tarso frontal esquerdo, e a seguir consumiu a tíbia e o fémur. Depois atirou-se ao seu olho esquerdo. Nesta altura o macho pareceu dar-se conta de estar perto de uma fêmea da sua espécie, e começou a fazer manobras sem sucesso para copular. A fêmea engoliu o seu olho direito, e a seguir acabou por decapitá-lo inteiramente, matisgando-lhe a cabeça e mordendo-lhe o tórax. Enquanto tudo isto durava, o macho continuava com as suas tentativas de acopulamento, e finalmente conseguiu quando ela abriu voluntariamente as suas partes, e a união teve lugar. Depois ela ficou quieta durante quatro horas, e os restos do macho deram sinais ocasionais vida pelo movimento do tarso que restava durante 3 horas. Na manhã seguinte a fêmea tinha consumido tudo o que sobrava do seu amante, e só as asas ficaram.”

A importância de perder a cabeça
Esta passagem tem, para lá do seu valor documental e romanesco, o valor de nos demonstrar aquilo que raramente nos ocorreria de forma espontânea: que alguns animais, tendo perdido a cabeça, desempenham certas tarefas muito melhor do que se a tivessem no sítio.
E isto porquê? As respostas variam de caso para caso –– a galinha de cabeça cortada tem os seus motivos próprios para correr –– mas, no caso da louva a deus, o caso da activação sexual dos machos decapitados está bem estudado.
O comportamento dos insectos tem uma neurofisiologia extremamente mecânica, completamente diferente da flexibilidade da nossa. Os movimentos copulatórios da louva-a-deus são controlados por nervos do último gânglio abdominal, junto ao fundo das costas. Como seria contra-producente para a vida quotidiana os machos estarem a executar permanentemente esses movimentos, eles são suprimidos por centros inibitórios localizados no gânglio subfágico (junto à cabeça). Sendo assim, quando a fêmea engole a cabeça do macho, engole com ela o gânglio subfágico e lá se vai a inibição do movimento copulatório –– o macho, literalmente, já não faz outra coisa até morrer.
Do ponto de vista evolutivo, todo este comportamento continua a ser estranho: não deveria o macho sobreviver, por forma a copular mais vezes e legar mais genes à progenia? O que é curioso é que, em todos os machos que só copulam uma vez, o desenho dos testículos é ligeiro, o aparelho intestinal está pouco definido, exactamente porque são destinados a uma vida curta, onde desempenham uma única função. É no sentido dessa missão que todos os esforços se orientam—incluindo o comportamento do macho, que, não vivendo mais, deixa mais recursos à progenia. O canibalismo sexual é raro, e menos comum do outras variadades de consumo entre familiares, tais irmãos que comem os irmãos ou mães que comem a ninhada. Só há casos documentados entre o grupo a que pertencem os insectos, tal como a louva-a-deus e o escorpião, e também algumas aranhas.

A aproximação perigosa
A fêmea do louva-a-deus é uma caçadora feroz e muito activa, bastante maior que o macho, como acontece com todos os insectos. Sendo assim, o macho da louva-a-deus, como qualquer insecto mais pequeno que a fêmea, transforma-se em presa logo que aparece à vista.
É por isso que os machos da louva a deus são tão cuidadosos na sua aproximação à fêmea. Chegam-se sempre por trás, cautelosamente, e, se a fêmea virar os olhos na sua direcção, congelam imediatamente o movimento –– as louva a deus não conseguem ver nada que não esteja em movimento. Os machos podem ficar congelados em posições bastante curiosas durante muito tempo, e recomeçar a avançar sempre que a fêmea vira os olhos. No final da aproximação, vem o salto para infinito: ou o macho passa os seus genes à progenia, ou, alternativamente, serve apenas de jantar. Os que conseguem à primeira, por vezes fogem assim que atingem o seu objectivo. Mas, outras vezes, deixam-se estar sossegados, sem grande pressa de escapar ao seu destino fatal. E a verdade é que, em muitos destes casos, as fêmeas os deixam em paz. Provavelmente já estavam saciadas antes. Acontece exactamente o mesmo entre as aranhas, onde o macho pode deixar-se ficar languidamente a descansar na teia até morrer de subnutrição sem que a fêmea volte a dar-lhe a mais pequena atenção. Estes casos são muito mais raros entre os escorpiões, se bem que existam registos deles –– mas temos que lembrar-nos que os escorpiões tendem a viver em áreas pedregosas e desérticas, onde o acesso à proteína é bastante mais difícil.

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