Raphus cucullatus, o pássaro dodó, é uma homenagem tanto à aventura dos portugueses como ao triunfo das Artes sobre o esquecimento, assim como é o exemplo perfeito de que o bom exercício científico pode colocar-nos perante questões inesperadas e descobertas em que nós próprios não queremos acreditar. Muito mais que uma ave extinta, o pássaro dodó é um hino à sobrevivência.
Assim:
Foi graças ao desembarque da frota de Pedro Mascarenhas na Ilha Maurícia, na primeira metade do século XVI, que os europeus se encontraram pela primeira vez cara a cara com um espécime a que não puderam chamar outra coisa senão pássaro doudo, já que o animal gorducho e pesado tinha um ar bizarro, não voava, e, sobretudo, desconhecia o medo ao ponto de se deixar abater à paulada.
Passaram exactamente 86 anos entre a descoberta do dodó pelos europeus e a extinção definitiva do bicho. Para destruir uma pérola adaptativa de milénios, não foi preciso nem um século. Este efeito fulminante fez com que o dodó se transformasse na primeira espécie animal cujo desaparecimento do planeta foi directamente associado à intervenção humana, o que lhe dá, tanto em Biologia como em Sociedade, uma responsabilidade insubstituível.
E ainda mais além, e sobretudo, depois de já estar morto o dodó ressuscitou.
Dele já só restavam um pé e um crânio, salvos num museu, de uma carcaça embalsamada em mau estado, e uma dezena de gravuras grosseiras produzidas por marinheiros seiscentistas. Mas o século XIX foi pródigo em reconstruções de esqueletos de aves gigantescas sem capacidade de voar, todas elas especiadas em ilhas, e o esqueleto completo do dodó acabou por se juntar ao resto do espólio.
Mas como é que lhe conhecemos tão bem as cores?
Como é que a imagem do dodó se nos tornou tão familiar que podemos sem esforço projectá-la em cartoons e cinema de animação?
É que o dodó renasceu, também, através da Arte.
No século XVI tomou assento em Praga, como senhor de todo o Sacro Império Romano, o Imperador Rudolfo II. Patrono incansável das artes e das ciências, o homem que teve Kepler por astrólogo era amante de grandes colecções de raridades naturais, onde se incluíam os recintos com animais exóticos vivos. Nesta corte, dentro destes recintos, viveu durante cerca de dois anos um dodó trazido da Maurícia e pago a peso de ouro, que, durante a sua estadia malograda, foi cinco vezes pintado a óleo e duas vezes a carvão por um dos pintores residentes em Praga, o holandês Roeland Savery. Sabemos que Savery existe porque pintou o dodó, e sabemos da fisionomia do dodó porque Savery existiu.
Encontrada esta ponte, dos retratos a óleo para a imaginação popular o passo foi curto: quando o ilustrador John Tenniel desenhou um pássaro imponente e digno a apertar a mão a Alice, logo na primeira edição de Alice no País das Maravilhas, o dodó renasceu por completo e desta vez levantou mesmo voo – como a ave mais arrojada e louca alguma vez produzida pelo caldo de cultura europeu.
Assim:
Foi graças ao desembarque da frota de Pedro Mascarenhas na Ilha Maurícia, na primeira metade do século XVI, que os europeus se encontraram pela primeira vez cara a cara com um espécime a que não puderam chamar outra coisa senão pássaro doudo, já que o animal gorducho e pesado tinha um ar bizarro, não voava, e, sobretudo, desconhecia o medo ao ponto de se deixar abater à paulada.
Passaram exactamente 86 anos entre a descoberta do dodó pelos europeus e a extinção definitiva do bicho. Para destruir uma pérola adaptativa de milénios, não foi preciso nem um século. Este efeito fulminante fez com que o dodó se transformasse na primeira espécie animal cujo desaparecimento do planeta foi directamente associado à intervenção humana, o que lhe dá, tanto em Biologia como em Sociedade, uma responsabilidade insubstituível.
E ainda mais além, e sobretudo, depois de já estar morto o dodó ressuscitou.
Dele já só restavam um pé e um crânio, salvos num museu, de uma carcaça embalsamada em mau estado, e uma dezena de gravuras grosseiras produzidas por marinheiros seiscentistas. Mas o século XIX foi pródigo em reconstruções de esqueletos de aves gigantescas sem capacidade de voar, todas elas especiadas em ilhas, e o esqueleto completo do dodó acabou por se juntar ao resto do espólio.
Mas como é que lhe conhecemos tão bem as cores?
Como é que a imagem do dodó se nos tornou tão familiar que podemos sem esforço projectá-la em cartoons e cinema de animação?
É que o dodó renasceu, também, através da Arte.
No século XVI tomou assento em Praga, como senhor de todo o Sacro Império Romano, o Imperador Rudolfo II. Patrono incansável das artes e das ciências, o homem que teve Kepler por astrólogo era amante de grandes colecções de raridades naturais, onde se incluíam os recintos com animais exóticos vivos. Nesta corte, dentro destes recintos, viveu durante cerca de dois anos um dodó trazido da Maurícia e pago a peso de ouro, que, durante a sua estadia malograda, foi cinco vezes pintado a óleo e duas vezes a carvão por um dos pintores residentes em Praga, o holandês Roeland Savery. Sabemos que Savery existe porque pintou o dodó, e sabemos da fisionomia do dodó porque Savery existiu.
Encontrada esta ponte, dos retratos a óleo para a imaginação popular o passo foi curto: quando o ilustrador John Tenniel desenhou um pássaro imponente e digno a apertar a mão a Alice, logo na primeira edição de Alice no País das Maravilhas, o dodó renasceu por completo e desta vez levantou mesmo voo – como a ave mais arrojada e louca alguma vez produzida pelo caldo de cultura europeu.
Dizer que o dodó foi a primeira espécie cujo "desaparecimento foi directamente associado" à acção humana é ter uma visão exclusivamente eurocêntrica.
ResponderEliminarOs Maoris chegaram à Nova Zelândia entre o ano 1000 e 1200. Menos de 300 anos depois, 11 espécies de moas endémicas (i.e. que apenas existiam naquelas ilhas) tinham desaparecido. As moas não voavam e eram aparentadas com as avestruzes. Algumas espécies pesavam mais de 100 kg (o peso de uma avestruz) e uma espécie deveria chegar aos 270kg. Com elas desapareceu uma águia gigante (a maior conhecida até agora, pesando cerca de 13 kg) que se alimentava de moas juvenis (e talvez, durante um breve período, de crianças Maoris?), uma espécie de cisne, um pelicano, um ganso e várias outras. Os Maoris chacinaram as moas. Existem locais com enormes pilhas de ossos, por exemplo num único local estima-se que foram acumulados ossos de 9000 indivíduos. Há indicações de que os Maoris deixavam o grosso das aves apodrecer e só utilizavam as patas, dados que os únicos ossos encontrados em locais onde há vestígios de fogo eram os das patas. O resultado final desses massacres foi que os Maoris ficaram com muito pouco acesso a proteínas e começaram a recorrer a guerras e ao canibalismo.
E isto para não falar das cerca de 2000 espécies de aves endémicas de diferentes ilhas do Pacífico e que se extinguiram antes da chegada dos Europeus, à medida que os Polinésios iam colonizando ilhas cada vez mais remotas. O dodó esteve muito longe de ser o primeiro!