25/01/2010

A VER: Retrato Físico e Moral do Caracol


O caracol-dos-jardins, cujo modelo em corte se vê na imagem, é um gastrópode, ou seja, pertence a uma classe de moluscos com algumas características essenciais: corpo mole, com um pé musculoso e forte, cabeça com tentáculos na extremidade dos quais se situam os olhos, e saco visceral protegido ou não (caso de algumas lesmas) por uma concha. A concha do caracol, calcária e enrolada em espiral, alberga e protege a massa visceral. Na cabeça, unida ao seu pé musculoso, há dois pares de tentáculos e os olhos estão na extremidade do par superior, que é também o maior. O caracol terrestre respira por pulmões, diferentemente do aquático que respira por brânquias. A maior parte das espécies de caracol é hermafrodita. Em caso de ameaça ou noutras circunstâncias, o caracol pode retrair-se por completo no interior da concha que fica sendo o seu escudo em relação ao ambiente exterior. A sua abertura aparece por vezes selada por uma fina película que protege o caracol no Inverno e no tempo seco, mas também é comum aparecerem "colados" a muros, a árvores e a plantas. São os tentáculos que nas suas viagens lhe permitem encontrar alimento (vegetal), devido à sua função eminentemente olfactiva. O facto de carregar a concha nas suas serenas deslocações fez com que popularmente se dissesse que o caracol "traz a casa às costas", uma imagem que, aliada ao seu vagar, lhe mereceu uma certa simpatia geral. O caracol é comum em Portugal e há de várias espécies, facilmente reconhecíveis pelas características da concha. Habita zonas húmidas e desloca-se mais frequentemente de noite, de madrugada, ou depois da chuva, "reminiscências" da vida marítima (ao que se pensa) dos primeiros gastrópodes. Tem também servido de alimento às populações, cozinhado segundo receitas próprias, e até é recentemente aproveitado para tratamento dermatológico, pelo que apresenta valor económico. Estes factos, aliados à renovação dos modelos de exploração agrícola e de gestão florestal, têm levado à quase extinção de algumas espécies. Porém, é possível observá-los em quantidade nos jardins pouco tratados, em baldios ou subindo velhos muros ou paredes de casas.



Fontes:

  • Lexicoteca - Moderna Enciclopédia Universal, Círculo de Leitores, 1985 (volumes: IV, pp.220-221, s.v. "caracol"; IX, p.90, s.v. "gastrópodes")
  • Portugal Natural, Lisboa, Edideco-Editores, Lda., 1995, pp.122-124 (traduzido e adaptado do original belga La Belle Nature de Chez Nous (1991) por João Mendes)
  • David Burnie, Dicionário Escolar da Natureza, Editora Civilização, 1994, p.98 (esta obra apenas forneceu a imagem com que se ilustra o artigo publicado)

17/01/2010

A VER: Estudos da Natureza, por Dürer

Na imagem, duas pinturas do artista alemão Albrecht Dürer (1471-1528). A "Asa de uma Rola" data de 1512 e a "Lebre" data de 1502.



























Referência:

Norbert Wolf, Dürer, Taschen, 2006, p.40.

A VER: Representações do Naturalismo em Portugal


Na imagem[1] vê-se o 3º Marquês de Angeja, D. Pedro de Noronha, que se faz representar na actividade de naturalista, que cultivou. Podem observar-se os sinais desse empenho, quer nas conchas que estão na mesa, quer nas borboletas expostas ao fundo do gabinete, sem esquecer os livros, naturalmente essenciais para apoio científico nos autores mais avançados do tempo. D. Pedro nasceu em 1716 e faleceu em 1788. Dissimulado opositor do Marquês de Pombal[2], veio a ocupar o seu lugar no reinado de D. Maria I, que sucedia em 1777 a seu pai, protector de Sebastião José. “Numa época em que a alta nobreza habitualmente não integrava o corpo dos ministros do Estado, surpreendeu a nomeação de dois titulares. O primeiro na hierarquia, aparentemente sem ambições políticas conhecidas, presidia ao Real Erário, com a função de ministro assistente ao despacho. Era D. Pedro José de Noronha e Camões de Albuquerque Moniz e Sousa, 3º Marquês de Angeja e 4º Conde de Vila Verde, corifeu da alta nobreza, um velho dado às ciências naturais, conhecido pela sua probidade e arte de cortesão, tão consumada que jamais Pombal lograra atacar esse amigo predilecto do rei.”[3] Teve vários cargos no Estado, sendo significativo o de inspector das obras de reconstrução de Lisboa depois de 1755. Houve influência sua na criação do Real Museu e Jardim Botânico da Ajuda[4], aparecido em 1764, o qual, infelizmente, não pôde dar origem uma geração de conhecidos cientistas portugueses. O investimento essencialmente económico das expedições coloniais – então chamadas “viagens filosóficas” –, a sobrecarga de tarefas burocráticas atribuídas a naturalistas e a consequente perda de espécimes que se degradavam antes da classificação taxonómica nunca tornaram o espaço numa casa de estudo científico eficiente, natural e desejavelmente motivador da modernização dos currículos escolares e universitários. Nem a reforma começada em 1791 resolveu o problema. “Para que semelhante programa de trabalho pudesse ter capitalizado os recursos disponíveis na Ajuda, teria sido exigido ao poder político um maior esforço de investimento quer no apetrechamento das instalações e equipamentos museológicos, quer na requalificação técnica do seu quadro de funcionários (através da contratação de mais naturalistas e da formalização de ensino público no interior dos estabelecimentos), o que quer dizer que a restruturação “economica” teria de ter envolvido, por igual, uma componente “scientifica” especialmente vocacionada para o estudo das colecções.”[5] As destruições e pilhagens que ocorreram durante as Invasões Francesas acrescentaram obviamente muitas dificuldades a esta gestão já ineficiente.


Notas:
[1] A imagem vem de Luís de Oliveira Ramos, D. Maria I, Casais de Mem Martins, Rio de Mouro, Círculo de Leitores, 2007.
[2] Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira, vol.2, Lisboa – Rio de Janeiro, Editorial Enciclopédia Limitada, s.d., p.593, s.v. “Angeja, Marqueses de”.
[3] Luís de Oliveira Ramos, D. Maria I, p.65.
[4] Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira, vol.4, Lisboa – Rio de Janeiro, Editorial Enciclopédia Limitada, s.d., p.969, s.v. “Botânico”.
[5] João Carlos Brigola, “Museologia e História Natural em finais de Setecentos – o caso do Real Museu e Jardim Botânico da Ajuda (1777-1808)”, in Anais – Série História, vol. VII/VIII, 2001, EDIUAL, Universidade Autónoma Editora, S.A., pp.227-228 (Actas do Colóquio “A Casa Literária do Arco do Cego”).

13/01/2010

ENSAIO: A Importância da História da Ciência

A História é a memória dos saberes humanos e, especificamente, das Ciências criadas pelo Homem. Dentro da literatura humana existe uma ampla biblioteca de exposição científica. O Homem, desde sempre curioso em saber mais sobre o seu ambiente, tem criado métodos de análise e conhecimento dos muitos fenómenos que atraem o seu interesse. Assim se foram desenvolvendo as Ciências que desde há séculos descrevem a Natureza e reescrevem as suas conclusões. O objecto da observação, os métodos e até a sensibilidade do cientista, distanciam-nas entre si e permitem, apesar da natural continuidade entre os seus saberes, uma razoável delimitação de fronteiras, ou seja, a especialização. Mas aproximam-nas a investigação contínua, a crítica dos trabalhos e a pretensão de verdade das conclusões. A importância de uma disciplina como a História parece ser evidente. A História é a narração do passado humano apoiada na leitura crítica de variados documentos. É um repositório de factos pretéritos acerca de todas as sociedades humanas conhecidas, a todo o momento consultável e a todo o momento aumentado. É, pois, pelo trabalho dos seus escritores e “cultivadores” que se conserva, se conhece, se relembra e se critica a Memória. Já aqui se pressente a sua relação com outras ciências, como a Biologia ou a Medicina. A História é a organização da memória dos saberes científicos, para que se saiba sempre o que se acha adquirido e quanto espaço para investigação existe. Explicando melhor: todas as Ciências têm os seus métodos e fins, adquiridos ao longo de muitos séculos de investigação. Observações, tentativas, falhas, estudo, soluções têm feito parte da descoberta de verdades mais ou menos permanentes. Assim, a existência de qualquer ciência pressupõe factos anteriores. Sendo os factos pensados e executados pelo Ser Humano, a existência das Ciências também pressupõe memória. Se a memória é a “conservação de experiência anterior que se manifesta por hábitos ou por lembranças”[1], é a História, com as suas ciências auxiliares, que tem tratado de guardar e sistematizar para consulta e crítica os factos que conduziram ao que são hoje as nossas Ciências. É, por isso, um suporte privilegiado de memória, pois que, na sua acepção geral, a abrange toda. A História nunca poderá ser uma ciência pouco útil ou pouco importante, já que em geral está relacionada com as ideias de identidade, de liberdade e de autonomia. Relativamente à Ciência em particular, afirma o Prof. A. Tavares de Sousa: “A ciência não pode prescindir, para se pensar a si mesma, do conhecimento do seu passado próximo ou remoto, que é o seu modo histórico de formação, a sua própria ontogenia.”[2] Noutro passo, diz o mesmo autor: “O desprezo pela História da Ciência não constitui título de engrandecimento nem sinal de capacidade progressiva. Muito ao contrário. A Ciência de hoje será a História de amanhã.”[3]


Notas:
[1] “Dicionário da Língua Portuguesa”, 5ªedição, Porto, Porto Editora, s.d., p.933, s.v. “Memória”.
[2] A. Tavares de Sousa, “Curso de História da Medicina – Das Origens ao Século XVI”, 2ªedição, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 1996, p.3.
[3] Idem, ibidem, p.9.